domingo, 19 de abril de 2009

Cegueira

Comecei a angustiante contagem. No três estaria voltando à minha escuridão. Isso, claramente, sem garantia alguma. Mas as cores, os flashes, haviam deixado minha visão ainda mais limitada do que na escuridão. O vício faz isso.
E então, um... dois... três!
Gritos. Uivos. Dor.
A escuridão havia me abandonado, realmente. A escuridão era mesmo leal, e eu, completamente o oposto.
Como boa hiperboleana que sempre fui e sou, dei conta de aumentar o choro umas mil vezes, e de acarretar a culpa de modo ainda mais doído e torturante aos meus olhos, ao meu ver.
Eu havia dado conta, não por ser hiperboleana, mas por ser eu, de me fazer cega.
Eu devia apenas colorir o que se propunha a ser colorido. E me acostumar com o fato de que os outros também colorem, colorem mal, o que são de seu dever colorir.
Nem tudo no mundo que nunca mais verei é feito de flashes de cores claramente denominadas. Mas sim, também, de escuras.
Escuras...escuridão. E então me dei conta de que a escuridão estava lá, e de que ela era ainda mais leal do que eu podia imaginar. A minha tal companheira havia me seguido até onde ela podia ser vista por mim, e no entanto, eu não a vi. Ela era, então, o que cabia a mim colorir.
Me dei conta, em choro, de que esse era o meu dever, e de que agora, eu a abandonara para sempre, pelo medo, de em luz, a achar novamente.
E agora, em cegueira, percebo que jamais a verei. Jamais verei minha leal companheira, e jamais a colorirei de meu modo - pois era minha companheira - e então, jamais terei feito o meu papel.
Em cegueira, escuridão, me ouça. Ou ainda melhor, ouça o sal que escorre de meus olhos cegos, pois tu, mesmo que escura demais, aida enxerga. Ouça o sal, e me perdoe. E se te serve de consolo, a dor dele em minha cegueira não é maior do que a dor de, na cegueira, não poder mais te ver. Escuridão, você, que era meu papel colorir.

Talvez não mais, mas, com certeza, agora sem conseguir ver o meu próprio olho, a cegueira era o castigo merecedor aos olhos impotentes que não me fizeram ver que deveria te colorir, minha vida. E, por favor, não me perguntes se ficarei bem cega.

2 comentários:

  1. Nada de cego há em teus textos... Eles enxergam bem -- embora eu tenha apenas "passado" os olhos por cima dos mesmos, "sacomé", né? ("sacomé" = "sabe como é")

    (Me pergunto se quem realmente escreve somos nós ou nossa alma...) (1)

    Homonônima à uma de minhas alunas mais aplicadas, mais adultas -- ela não nem 15 anos ainda, mas as meninas se desenvolvem mais rápido que nós, meninos... -- vc me pareceu ser uma dessas "futuras escritoras modernas" (que definição mais [in]comum) essa minha, hein?

    Bem, não ia postar nenhum comentário se não tivesse sido tocado pelo conteúdo de teus textos, baby... continue, linda morena. Ademais, a-do-ro teu nome: ele significa "Amada", "Querida". E deve sê-la mesmo... Sei lá... Mas acho que estou com a razão... Sei que vc apenas irá dar uma olhadinha em meus blogs, nada fará além disso, etc. e tal... Mas nem por isso eu deixo de travar um primeiro contato contigo, M. N. (E teu nome, Mariana Nicodemo, pode ser "traduzido" como "A querida vencedora do povo".)



    NOTAS

    (1) Quando escreve páragrafos entre parênteses é porque indico um pensamento em voz alta -- ou algo "do gênero"...

    (2) MARIANA - 42848 buscas deste nome. Disponível em: (http://www.vlmaria.com.br/signos/nomes/?busca=jo%E3o). Acesso em: 16 maio 2009.

    (3) Resultados aproximados. Disponível em: (http://www.vlmaria.com.br/signos/nomes/?busca=jo%E3o). Acesso em: 16 maio 2009.

    ResponderExcluir
  2. Errata:

    Onde se lê "Quando escreve (...)" (em minha nota de no. 1), leia-se "escrevo".

    ResponderExcluir