domingo, 28 de março de 2010

Carbo

Cheirava à doce, com um pico de chão molhado. E mesmo sem abrir os olhos eu podia enxergar que do lado de fora o dia estava em tom de cinza. Do lado de fora.
Retomada pelo raciocínio, em minha volta eu via do mais belo ao perfeito agudo. Era a transação dos elementos, a melhor das combinações.
Cheirava à doce, e olhava também. E dentro daqueles olhos eu podia ver os dois lados, ou três, ou quantos fossem. Eu via o bem e o mal, o sadio e o masoquista, o sano e o doentil, o curável e o sem saída, tudo combinado da maneira harmônica que formava a canção que era o entoado de sua voz, a qual, por sinal, também soava doce, e do doce viciante.
Sem querer ter forças para mexer qualquer parte minha, para assim não vir a desarrumar o molde perfeito que se formava entre meu corpo e o dele, pude perceber o sol nascendo eu seu rosto. E só podia ser no dele, que tranformava qualquer tom de cinza num arco-íris.
Ele sorria doce, e o mel me fazia parecer leão em frente a carne fresca, e eu sabia bem onde ir para me adocicar os lábios. E sem pensar e, pra que pensar, fui tratar de fazer meus lábios pararem de se morder de desejo.
Repeti a sobremesa por cerca de dez vezes, sem cansar - não costumo me enjoar de doce - e dançavam doce, lábios em movimentos certeiros ardendo em chama.
Era quase irracional o modo como o fogo nos queimava a pele. Eu podia o sentir em chamas, e eu gostava de misturar as minhas com as dele. Parecia cada vez mais impossível esquentar mas, esquentava mais, a cada vez que a ponta de seus dedos percorriam minha pele, contornando cada curva e cada linha, de cada parte do meu corpo. Queimava, queimava muito, derretia o doce e eu podia o sentir não só no paladar, mas em tudo.
Eu não me preocupava com nada, e nem queria perturbar ou ocupar minha mente com qualquer outra coisa que não fosse sentir o ímã de seu peito puxando o meu ferozmente para mais perto. Não havia mais espaço, mas eu temia não poder me aproximar mais, e incansavelmente me apertava contra o seu peito, tanto, que foi se curvando, fazendo mais uma volta pefeita do que eu chamaria o caminho do que para mim era tudo.
Deixei o mel escorrer por meu pescoço, curvando e cabeça e com os olhos em delírio. Até o mel queimava em contato com minha pele. Eu ardia na insana delícia de sentir que aquilo poderia jamais acabar, e delirei ainda mais.
Dalí, o mel escorreu por toda a minha chama, e eu já não sabia como voltar ao que muitos chamariam de realidade. Então, despejei meu doce - em chamas - no doce que transpirava por sua pele, e os deixei brincando, como brincavam nossos lábios.
Portanto, a cor do dia já não era mais em tons de cinza, mas eu não poderia confirmar a tese, pois da luz do mesmo não tomei nota pelo resto das horas. Passei o dia brincando, as horas ardendo, os minutos ecoando delírios dos delírios do doce de seu doce, os segundos suplicando para que aquilo jamais acabasse...
E o chão molhado naquele dia, não secou..

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